Século XIX–Rússia

glinkaTudo na Rússia é diferente do resto da Europa. Chopin e Smetana, apesar de, também eslavos, personificam, contudo, a Europa, mas, os asiáticos são diferentes. No século XIX, aparece pela primeira vez a música "artística", mas, muito antes que ela surgisse na Rússia, havia a música popular e religiosa. Quanto à música popular ela se perde no tempo, mas, a origem da música religiosa é mais conhecida. A igreja ortodoxa russa continua o que recebeu de Bizâncio; a sua música tem parentesco com o coral gregoriano, o canto litúrgico judaico e, talvez, com um sem-número de melodias asiáticas anteriores ao cristianismo. Aparece, então, a "música artística" russa que, como em toda parte, aliás, é, a princípio, uma reação contra a ópera italiana e, ao mesmo tempo na Rússia, é uma reação social contra a corte e as camadas aristocráticas, que apoiam todo estrangeirismo e desprezam toda tentativa de música nacional, considerando-a "música de cocheiro".
Assim, a primeira música nacional russa vem ser uma ópera. Michael Glinka (1804-1857) compôs, entusiasmado pelo desejo "de escrever alguma coisa tipicamente russa, conhecida de todos", a ópera "Uma Vida para o Czar", que foi acolhida com bastante entusiasmo, em 1836 e, tanto nesta ópera, como na seguinte, "Ruslan e Ludmilla", Glinka emprega com habilidade extraordinária, melodias populares russas, além de danças e coros.
Este despertar da música russa também foi facilitado pelo extraordinário florescimento, simultâneo, da literatura nacional, com Puchkine, Dostoievsky, Gogol e Tostoi, cujos textos serviram repetidas vezes de base para trabalhos musicais.
Ao lado de Glinka, encontramos Alexander Dargominsky e destaco entre suas obras, "Russalka" e "O Hóspede de Pedra" que é uma paráfrase de Don Juan, remanejado aqui por Purchkine, a quem devemos, também, os libretos de "Boris Gudunov" de Mussorgsky, "Pique Dame" e "Eugen Oniegin" de Tchaikovsky.
Glinka e Dargominsky foram seguidos por uma geração de outros compositores, entre eles, cinco verdadeiros amigos amantes da música: Alexandre Borodin (1834-1887), Cezar Cui (1835-1918), Mili Balakirev (1837-1910), Modest Mussorgsky (1839-1881) e Nikolai Rimsky-Korsakov (1844-1908).
Borodin compôs três sinfonias, excelente música de câmara, canções sentimentais e as famosas "Danças Polovetzianas" que fazem parte de "Príncipe Igor", além, de um poema sinfônico intitulado "Nas Estepes da Ásia Central".
Cezar Cui, que chegou a ser alta patente militar, escreveu a sua primeira ópera sobre um tema russo de Puchkine, "O Prisioneiro do Cáucaso", indo, mais tarde, tratar de temas internacionais como em "William Ratcliff" e "Henrique VIII". Mas de todas suas obras musicais, poucas transpuseram as fronteiras da pátria como a "Melodia Oriental".
Balakirev era a alma do grupo e um bom organizador. Quando em 1859 chegou a São Petersburgo para estudar com Glinka, travou amizade com Cui. Dentre suas composições encontramos o poema sinfônico "Rússia", que inclui temas populares, e "Thamar", de tendência oriental, além de sua peça para piano "Islamey".
Mussorgsky deu a seu país a ópera "Boris Godunov", a maior ópera, um espetáculo de massas, no qual o herói é o povo; sua fantástica "Noite no Monte Calvo"; "Quadros de uma Exposição", originalmente escrito para piano e transcrito para orquestra por Ravel; as encantadoras "Cenas de Quarto de Criança"; outras óperas como "Chovantchina" e "A Feira de Sarotchinki"; "Canções e Danças da Morte" e outras inúmeras canções das quais, só pequena parte, é conhecida no Ocidente. Em 1881, Mussorgsky foi encontrado caído na rua sob influência aniquiladora do álcool e morre justamente no seu quadragésimo-segundo aniversário, num dormitório de hospital, rodeado de esfarrapados pelos quais, muitos anos antes, renunciara a uma vida calma e aos quais ergueu, com sua música, um monumento imortal.
Korsakov, o mais jovem do grupo dos cinco, inclui em suas obras todos os ramos: óperas como "Sadko", "Czar Saltan", "Snegurotchka" e "Lenda da Cidade Invisível de Kitech"; peças para orquestra, sinfonias, uma "Sinfonietta", os poemas sinfônicos "A Grande Páscoa Russa", "Noite de Natal" e a célebre "Sheherazade", além de muitas canções inspiradas e melodiosas.
Rimsky-Korsakov deixou também mais uma obra de grande valor, a sua autobiografia, intitulada "Minha Vida Musical". Conta-nos ele a história comovente daquela rara amizade, da alegria e do sofrimento, dos trabalhos e dos sonhos, das derrotas e das vitórias dos "Cinco".