Música Sacra

                                                 Suas Origens:

Nos séculos II e III DC, Roma que, apesar das esplendorosas aparências, já mostra sintomas de uma grave decadência, escuta, junto ao clamor das multidões excitadas e nos anfiteatros, uma nova música que surge pelas entranhas da terra. É o cântico de homens que se dizem seguidores de Cristo, um profeta oriental que viveu e morreu na Palestina, e que trazem do Oriente o costume de rezar cantando. Afirmam estes homens, que as vozes humanas são o único instrumento digno de se louvar a Deus. Sua fé exemplar exerce uma profunda atração sobre as multidões. E nestes primitivos hinos cristãos, pode-se viver uma sinceridade e simplicidade comovedora peculiares, segundo os testemunhos chegados até nós, da arte paleocristã. E tanto no canto como nas artes plásticas, os primeiros cristãos acertaram em resgatar formas e expressões herdadas da arte romana, já em decadência, com a força exaltada de um novo ideal capaz de transfigurá-lo todo com a luz da fé.
Depois do Édito de Constantino (312 DC) que põe fim às perseguições aos cristãos, foram-se multiplicando as basílicas e os demais centros de culto. E, paralelamente ao cristianismo, se difunde o canto litúrgico. Os cânticos cristãos, transmitidos de geração em geração, vão-se enriquecendo com novas formas até que, em finais do século VI, acontece a grande reforma na liturgia musical realizada pelo Papa Gregório Magno I entre 590 e 604 DC, que organizou e compilou vários poemas e canções, que foram reunidos nos livros:
- Graduale (cantos solos e corais para todas as festas católicas)
- Kyriale (cantos para as partes fixas das missas)
- Antiphonale (cantos, hinos e orações dos monges)
Esta música tem as seguintes características:
- é o canto oficial da Igreja Católica;
- o texto é em latim;
- a importância é dada ao texto e não à música (objetivo é propagar a fé e não fazer um recital);
- deve ser cantado, obrigatoriamente, só por homens;
- não pode ter acompanhamento instrumental de qualquer espécie;
- é prosódico (um tipo de canto falado);
- melodias simples com pouca mudança de notas e uma tessitura menor que uma oitava;
- monofônico (uma única linha melódica);
- diatônico (escalas sem alteração cromática ou micro tonal);
- modal (escalas de sete sons, ligeiramente diferentes das nossas escalas);
- o ritmo depende das palavras, portanto é livre de fórmulas de compasso;
- não tem preocupação com a dinâmica;
- o andamento, geralmente, é lento;
- os compositores são anônimos, pertencentes ao clero.
O "Antifonário" foi a base de toda difusão do canto na Europa até a criação da "Schola Cantorum", cujo objetivo era a formação de jovens cantores, cuja estrutura, embora incompleta e deformada, chega até nossos dias. Os mais afamados centros de canto gregoriano foram os monastérios de Wearmouth na Inglaterra, Reichenau y Metz na Alemanha, San Galo na Suíça e Rouen na França.
O material escrito por Gregório Magno é constituído por cânticos para a Missa, contidos no Gradual e cânticos para as cerimônias do Ofício, contidos no Antifonário. A Missa é formada por um grupo de melodias com texto fixo, o chamado Ordinário, ou seja, Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus e Agnus Dei. A outra parte da Missa, o Próprio, varia com o tempo litúrgico, com o santo do dia que se comemora e com a especial solenidade que se celebra. E por último, a música das demais cerimônias religiosas, por exemplo, os Laudes, Matinas, Horas e Vesperas.
O estilo do canto pode ser:
Silábico – onde cada sílaba do texto corresponde a uma nota;
Melismático ou florido – quando um grupo ou grupos de notas são entoados sobre uma só sílaba;
Neumático – quando há alternância entre canto silábico e melismático.
O esquema da composição do canto gregoriano pode-se dividir em quatro categorias:
Os cantos "estróficos" – onde se repetem as mesmas melodias;
Os cantos "salmódicos" – sobre textos em versos livres, e os que a primeira parte de cada frase se repete, identicamente, cada vez;
Os cantos “cromáticos” – sobre textos livres e livremente musicados;
Os cantos “dialogados” – em que uma frase do celebrante é repetida pelos fiéis ou pelo coro, como as litanias.
Mais ou menos, entre os séculos VIII ou IX os cantores da Schola Cantorum, inclinados sempre ao virtuosismo do canto, vão deixando de lado a forma rígida e tradicional do latim clássico na composição dos textos e vão-se cercando mais da sensibilidade da rima e do acento tônico das palavras. O Concílio de Trento (1545-1563) raciona o uso desta forma, chamada de "sequência", cada vez mais livre e, frequentemente, com inspiração profana, aceitando somente quatro delas:
"Victimae paschalis laudes", para o tempo da Páscoa – atribuída a Vippone de Borgoña, do princípio do século XI e, provavelmente, a mais antiga, a julgar pela ausência de rima no texto;
"Veni Sancte Spiritus" – também chamada de “Sequência de Pentecostes”, é a sequência prescrita para a Missa de Pentecostes na liturgia romana. É atribuída ao Papa Inocêncio III ou ao Arcebispo de Canterbury Stephen Langton, que a teria composto por volta de 1200.
"Lauda Sion Salvatorem" – de 1250, aproximadamente. Quando o Papa Urbano IV estabeleceu a festa de Corpus Christi, pediu a São Tomás de Aquino, que compusesse hinos próprios para a comemoração, e esse foi um dos cinco hinos compostos por ele;
"Dies irae, dies illa", atribuída a Tommaso da Celano, também, do ano 1250 para a Missa de Requiem
Somente no século XVIII (1727) foi adicionado à liturgia pelo Papa Bento XIII, o "Stabat Mater" para a Festa das Sete Dores da Virgem Maria, cujo texto é de Fra Lacapone da Todi.
O canto gregoriano foi sempre considerado como modelo da música sacra. É o canto próprio da Igreja Romana, herdado dos antigos Padres, conservando através dos séculos seus códigos litúrgicos.
As várias artes da Missa e Ofício devem conservar a forma que a tradição eclesiástica lhes deu, expressada no canto gregoriano.
O Kyrie, o Glória, o Credo, o Sanctus e o Agnus Dei da Missa, devem conservar a unidade de composição própria do texto.
No ofício de Vésperas deve-se seguir, ordinariamente, a norma do Caeremoniale Episcoporum que prescreve o canto gregoriano para a salmodia, e permite a música figurada nos versículos do Glória Patri e no hino.
As "antífonas" de Vésperas têm de ser cantadas, ordinariamente, com a melodia gregoriana que lhes é própria.
No final do século XVI os luteranos criaram para seu culto uma música muito simples, feita para que todos os fiéis a cantassem, ao contrário da prática católica, muito elaborada. Esta música para o serviço luterano recebe o nome de "coral” - movimento de acordes com melodias curtas, sem ornamentação e ritmos fáceis. As origens das melodias eram de temas folclóricos e cânticos católicos adaptados para a nova religião e criações próprias.