O Editor

Podemos dividir as Artes da humanidade de diversas maneiras: Em artes visuais (pintura, escultura, arquitetura, mímica), auditivas (música, declamação), combiná-las (retórica, teatro, ópera e balé), as que são criadas em definitivo (escultura, arquitetura, cinema) e as que são recriadas para serem vividas, como por exemplo, uma peça de teatro, dança ou uma peça musical que são fenômenos únicos, e que jamais serão iguais a cada apresentação.
                                    As artes recreativas têm algo em comum : todas dependem, de um modo ou de outro, de um conjunto de símbolos visuais que transmite as intenções do autor ao seu intérprete, do intérprete ao ouvinte.
                                   As artes musicais usam símbolos completamente diferentes das artes literárias : usam a notação em pauta. Na literatura esses símbolos podem ser compreendidos visualmente e, também, podem ser transformados em sons, mas, não seria necessário ouvir um livro para que seu significado seja apreendido. No sistema musical ele DEVE ser ouvido para que tenha um significado, embora os símbolos possam ser compreendidos visualmente, mas não passam de uma representação da música e não música propriamente dita.
                                    Vejamos : na música, analisar os símbolos como se fossem música, compô-los num padrão ou visual agradável são atividades que nada têm  a ver com a música mas sim com seus símbolos. Na música os juízes são os ouvidos e não os olhos. Na literatura, os modos como os símbolos alfabéticos são agrupados para formarem as palavras, variam de país para país e de período para período, de maneira que  o mesmo grupo de sílabas, em geral, apresenta significados diferentes em países diferentes e tanto o som como seu significado,  mudam. A notação musical não tem um significado, tal como tem uma palavra, embora possua uma significância. A significância por exemplo de um grupo de colcheias ligadas duas a duas na França no século XVIII era totalmente diferente do que significava na Inglaterra no mesmo século. Na literatura, um único conceito é expresso. Por exemplo: para a palavra "cavalo" mas que, em línguas diferentes, aparece com outros arranjos de letras símbolos : "cheval", " horse”,  etc.
                                    A notação musical em uso hoje, é um resultado do desenvolvimento lógico daquela usada em tempos passados, mas, a significância atual dos símbolos é completamente diferente da significância que possuiam no sec. XVIII ou no sec. XVI na Inglaterra ou na Itália. Um compositor moderno trabalha com as convenções atuais de notação e seria difícil um intérprete compreendê-la mal, mas, o compositor do sec. XVIII também usou uma notação de acordo com as convenções de sua época, então, o intérprete de hoje iria compreendê-la de uma maneira completamente equivocada, devido ao conhecimento inadequado daquelas convenções, há muito obsoletas.Exemplo : hoje o símbolo da breve é muito raramente usado e é interpretado como uma nota bastante longa. Para o compositor do sec. XIII, uma breve era uma nota muito curta, era a mais rápida das notas, então existentes. Assim como o ponto depois da nota, hoje em dia, aumenta a metade do seu valor, nos séculos passados aumentava em bem mais. Assim, a interpretação da música antiga é um assunto complexo . Precisamos conhecer os símbolos exatos usados pelo compositor, descobrir o que significavam à época em que foram escritos e expressar nossas conclusões. Qual dessas tarefas competiria ao editor e qual ao intérprete?Todas elas são importantes e requerem alto grau de responsabilidade e bom gosto. E, quanto mais retrocedemos na história da música, menos estas indicações aparecem. A música medieval não pode jamais ser recriada com a mesma autenticidade que deveria caracterizar as apresentações de música barroca.
                                    Na corrente compositor X audiência, o editor é um elo mais antigo que o intérprete e por isso deve ser considerado em primeiro lugar. O texto apresentado ao intérprete deve mostrar quais partes são ordens diretas do autor e quais delas são sugestões suas.Se o editor negligencia esta parte, o intérprete não pode saber que partes da página impressa fornecem o indício de que precisará para sua interpretação. O editor, então, deve fornecer um bom texto. O intérprete, assim como o editor, deve descobrir tudo o que conseguir sobre como a música de antigamente era executada por músicos de então.