Concerto nº 2 para Clarineta de Karl Maria Von Weber - 2º e 3º mov.

Este trabalho procura apresentar informações que poderão ajudar clarinetistas a fazerem uma interpretação mais coerente do Concerto nº 2 para Clarineta
Com o intuito de se fazer uma comparação das indicações musicais do 2º e 3º movimento do Concerto nº 2 para Clarineta de Karl Maria Von Weber, foram escolhidas três edições distintas:
- Nouvelle Edition. Edited by C. Rose, Paris.
- Boosey & Hawkes. Edited by Eric Simon, New York.
- Robert Lienau. Edited by Lichterfelde, Berlin.
No início do segundo movimento aparece uma diferença notável no 16º compasso.
Exemplo 1
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As edições de Rose Simon possuem uma escrita possivelmente mais próxima do original de Weber (exemplo 1). Mas na edição de Lienau foi adicionada uma nota extra em colcheia (lá) no final do compasso 16.
Exemplo 2
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Esta mudança foi feita provavelmente pelo clarinetista Carl Baermann, o filho de Heinrich Joseph Baermann. Carl também era um famoso clarinetista como seu pai e a maioria das suas edições foram baseadas nas tradições passadas por seu pai Heinrich. Estas edições serviram de base para outras edições subsequentes a de Carl, apesar de conter muitas anotações não originais do compositor.
No compasso 53, cada edição tem uma resolução diferente do trinado da última nota. Na edição de Rose a resolução é feita com um grupeto das notas dó, si e lá em semicolcheias (exemplo 3). Na de Simon com as notas ré, dó e si (exemplo 4) e na edição de Lienau as mudanças são maiores, ocorrendo acréscimo de notas e acentuações, alteração do valor rítmico das notas, e inclusão de dinâmicas (exemplo 5).
exemplo3 4 5
Estes exemplos mostram como as edições podem diferenciar-se entre si. Os exemplos 3 e 4 são demasiadamente simples para um movimento de estilo operístico. Já o exemplo 5 apresenta uma resolução de trilo mais apropriada com as idéias românticas de Weber.
No meio do segundo movimento aparece um expressivo recitativo acompanhado (compasso 62) onde a clarineta se assemelha a uma verdadeira Prima Donna. Este recitativo possui um grande senso dramático com melodias operísticas. Na edição de Lienau foram acrescentadas várias fermatas e dinâmicas que provavelmente não constavam na notação original:
Exemplo 6
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Já a edição de Simon é mais simples:
Exemplo 7
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Na edição de Rose, a escrita é similar a uma notação vocal de um recitativo operístico:
Exemplo 8
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A edição de Lienau parece ter sido escrita para um músico iniciante que ainda não tinha uma maturidade musical para realizar os fraseados dentro do estilo da obra. Só que isto acaba limitando a expressão do intérprete, além de causar dúvidas em relação à escrita original. Por outro lado, as edições de Rose e Simon apresentam relativamente poucas indicações.Três compassos antes do final do segundo movimento, Weber sugere uma cadencia após o sol sustenido. Estas indicações de cadencias também são encontradas tanto no concerto de piano como no primeiro concerto para clarineta. Clarinetistas e compositores famosos Carl Baermann, Cyrille Rose, Ferruccio Busoni e Jacques Ibert escreveram cadências para os dois concertos para clarineta. Mas as mais tocadas continuam sendo as do filho de Joseph Baermann, Carl.
Weber escreveu a seguinte conclusão do segundo movimento:
Exemplo 9
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Cyrille Rose frequentemente tocava composições de Weber durante seus anos como professor do conservatório de Paris (1876 a 1900). Mas foi na década de 1860 foi que ele fez uma edição de todas as obras de Weber publicadas pela Richaut.
Esta é a única cadência que ele escreveu para o Concerto nº 2:
Exemplo 10
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Esta cadência foi muito bem escrita de acordo com o estilo de Weber. Ela apresenta muitos ornamentos como trinados, apogiaturas, grupetos e uma grande escala cromática criando um caráter lírico e expressivo. Rose, aparentemente procurou expressar sua virtuosidade como clarinetista nesta cadência, entretanto Weber escreveu outros trechos de virtuosidade pouco antes do início do recitativo. A cadência de Rose enfatiza excessivamente a virtuosidade em detrimento da tranquilidade produzidas pelas notas longas do final.
Eric Simon escreveu a seguinte cadência como sugestão para a sua edição:
Exemplo 11
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Esta cadência é mais simples que a versão de Rose. Suas linhas melódicas são calmas e em movimento lento, causando um ambiente romântico assemelhando-se mais com o caráter final do segundo movimento.
Lienau editou uma outra cadência:
Exemplo 12
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Esta pequena cadência foi escrita por Carl Baerman, e hoje em dia ainda é a preferida pela maioria dos clarinetistas. Mas na verdade se for comparada com as cadências de Rose e Simon, ela aparece ser demasiadamente simples para um movimento operístico.
Não existem regras para tocar a sugestão de cadência de Weber. Contudo o executante experiente deve entender o estilo operístico do compositor e saber reconhecer o caráter de diferentes cadências para se ter uma escolha mais apropriada.
Em contraste com o segundo movimento, o terceiro (Alla Polacca) apresenta uma escrita brilhante e de grande virtuosidade com elementos de humor.
Nas três edições analisadas, não aparecem muitas divergências na escrita. Provavelmente os autores das edições basearam-se no original de Weber que resolveu não escrever nem uma cadência nem um recitativo no último movimento. Entretanto existem algumas dúvidas de articulação em determinadas frases. Um exemplo ocorre no compasso 16 onde tanto na edição de Rose e de Lienau aparecem com a seguinte escrita:
Exemplo 13
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Desta maneira, as semicolcheias tornam-se muito difíceis de se tocar na forma de staccato, já que a clarineta não possui a mesma desenvoltura de outros instrumentos como a flauta e o fagote que podem produzir staccato duplo e triplo. Como foi citado anteriormente, Weber escreveu os concertos para clarineta com muita pressa, deixando para que o intérprete a tarefa de completar as articulações de diferentes trechos musicais. Simon Acrescentou algumas ligaduras no compasso 16 para facilitar a execução, bem como para dar um caráter mais jocoso:
Exemplo 14
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A mesma situação ocorre nos compassos 65, 102, 110 e 147. Todos estes exemplos mostram somente dúvidas em relação à articulação, mas nada similar ao segundo movimento onde aparecem notas extras e até mudanças nos valores rítimicos.

Comparação do Concerto nº 2 para Clarineta a ópera Der Freischütz.
Weber escreveu o Concerto nº 2 na mesma época em que ele planejou escrever Der Freischütz pela primeira vez. Acredito haver similaridades musicais entre estas duas obras, mais especificamente no recitativo do segundo movimento (Romanze) e no terceiro movimento (Alla Polacca) do concerto para clarineta. No segundo ato da ópera Der Freischütz, a ária da soprano (Leise, leise, fromme Weise) tem um recitativo com as mesmas características do recitativo do Concerto nº 2. O texto desta ária conta que Agatha (soprano) está melancólica após a visita que ela fez na mesma manhã a um eremita e também ficou preocupada com o destino de Max, um jovem rapaz da floresta que deve vencer um concurso de caça para se casar com ela. No recitativo ela está sem dormir durante a noite e reza pela volta de Max, que no final da ária aparece saindo da floresta. Este recitativo da soprano é acompanhado, da mesma forma que o Concerto nº 2, e possui uma tensa melodia ascendente com diálogos entre a solista e a orquestra culminando em uma nota mais aguda (sol):
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No recitativo do Concerto nº 2 também ocorre uma melodia ascendente com diálogos entre o solista e a orquestra. Entretanto, no diálogo do recitativo em Der Freischütz as vozes apresentam sempre duas notas em semínima enquanto que no Concerto nº 2 o diálogo é diferente com três semicolcheias na clarineta e uma colcheia na voz da orquestra:
Exemplo 16
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O último movimento do Concerto nº 2 (Alla Polacca) possui o mesmo acompanhamento ritmico da Arietta (Kommt ein schlanker Bursch gegangen) no segundo ato em Der Freischütz. Este ritmo é uma variação da Polonaise, que era muito popular na época de Weber e apresentava a seguinte forma:
Exemplo 17
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Podemos encontrar este mesmo ritmo em Der Freischütz tocado pelas cordas, enquanto que o oboé toca uma melodia bem alegre em staccato com acentos,notas rápidas de semicolcheias e apogiaturas :
Exemplo 18
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No Concerto nº 2 também encontramos este ritmo no compasso 18 do último movimento, só que desta vez está fragmentado sem as últimas três colcheias enquanto a voz da clarineta toca uma melodia também com apogiaturas e notas em semicolcheias:
Exemplo 18
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Acredito que o conhecimento destas semelhanças entre o Concerto nº 2 e a ópera Der Freischütz, além do estudo da sua biografia e a comparação de diferentes edições, possa ajudar ao clarinetista compreender melhor o estilo musical da época, podendo desta maneira fazer uma interpretação mais coerente com as idéias do compositor .
( por Pedro Robato)